No Fórum Econômico Mundial de Davos de 2020, cujos principais objetivos são contribuir com a colaboração público-privada em escala mundial e discutir possíveis reformas econômicas, foi possível observar o reaparecimento de tópicos discutidos em edições anteriores. Tais como a busca por uma economia sustentável, aquecimento global e desigualdade têm sido assuntos recorrentes na cidade suíça. Entretanto, uma sigla relativamente nova chamou a atenção tanto de investidores como de governantes: o ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance). Basicamente, o ESG é uma forma de avaliar empresas a partir dos seus impactos e desempenho no Meio Ambiente, na Sociedade e na Governança.
Desta maneira, se busca uma forma mais holística de avaliar as empresas e seus impactos ambientais, sociais e relacionados à governança. Por exemplo, caso uma empresa apresente um crescimento estável nos últimos anos, mas a mesma tenha diversas multas ambientais, problemas trabalhistas e/ou esteja diretamente envolvida em esquemas de corrupção, os seus critérios ESG seriam bastante negativos, o que poderia e deveria afastar os investidores. Os critérios ESG, segundo Davos, poderiam ser uma boa ferramenta para caminharmos em direção a um sistema mais sustentável, igualitário e justo.
É importante lembrar que o ESG está mais ligado aos processos do que aos produtos, se diferenciando muito dos critérios de avaliação comuns, que tratam fundamentalmente de maximização do lucro e da eficiência produtiva — isto é, o máximo de produção com o mínimo de custos. Na mesma linha com o exposto em Davos, partindo principalmente da ideia de que o sistema capitalista atual necessita de profundas reformas, estão os estudos relacionados ao Capitalismo Humanista, que se baseia em princípios de economia colaborativa e fraternidade entre os indivíduos.
Caso os critérios ESG fossem o fator principal para a avaliação das empresas, esta poderia ser uma maneira indireta e eficaz para o incentivo ao cumprimento dos direitos humanos, sendo a valorização da força de trabalho a pedra angular para o cumprimento dos critérios ESG.
Com relação aos impactos ambientais, uma empresa que de fato valorize a força de trabalho de seus empregados buscará também poluir o mínimo possível. Isto, pois via de regra os trabalhadores e a empresa que os emprega compartilham o mesmo espaço, portanto uma alta emissão de poluentes poderia afetar direta ou indiretamente a saúde e força de trabalho de seus empregados.
Também, é mais provável que uma empresa ou corporação que valorize a força de trabalho e dignidade de seus empregados estará mais predisposta a cumprir suas obrigações para com a sociedade. Um bom exemplo disso seria a questão salarial dos empregados, que para o cumprimento do ESG e com base nos princípios do Capitalismo Humanista, tenderia a ser maior — existindo uma correspondência mais estreita entre o salário do trabalhador e a riqueza que este produz. Desta forma, se poderia ampliar a figura do trabalhador-consumidor, ao passo que a valorização da força de trabalho devidamente remunerada geraria também uma maior possibilidade de consumo para os trabalhadores. Consequentemente, toda a economia poderia se beneficiar e manter níveis estáveis de crescimento e bem estar, o que também contribuiria para a função social da empresa.
Com relação à governança, a valorização da força de trabalho se traduziria não só em maiores garantias legais, mas também em uma relação mais positiva e transparente entre as empresas e os governos. Isto é, a busca pelo cumprimento do ESG no que tange à governança faria com que menos empresas participassem de esquemas de corrupção e pressionassem os governos a maior valorização da força de trabalho e proteção ao meio ambiente.
Fundamentalmente, o que se discutiu em Davos surge de uma necessidade de transformar modo atual do capitalismo em formatos de economias mais colaborativas. De fato, já é possível observar um movimento de maior participação dos consumidores sobre os produtos e o posicionamento das empresas. Podemos ver, por exemplo, o compromisso de gigantes como Nike e Avon valorizando a diversidade da beleza entre os diversos biotipos físicos e tons de pele, ou Microsoft e Apple anunciando zerar e neutralizar sua emissão de carbono até 2030, entre outras empresas que passaram a demonstrar interesse com seus impactos sociais e ambientais.
A ideia de que o capitalismo precisa de reformas profundas não é nenhuma novidade, o próprio Joseph Stiglitz (2012), Prêmio Nobel de Economia de 2001, já argumentou que a experiência neoliberal, liderada por Reagan e Thatcher nos anos 80, fracassou em termos de crescimento e eficácia socioeconômica. O autor nos diz que este modelo fez com que a economia mundial tenha passado a crescer de forma mais tímida e concentrada nas classes mais abastadas. Com o crescimento galopante da desigualdade e um enfraquecimento dos Direitos Humanos em escala mundial, a valorização da força de trabalho em conjunto uma maior importância aos critérios ESG e os princípios do capitalismo humanista poderiam garantir o cumprimento dos Direitos Humanos nas três dimensões: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
A valorização da força de trabalho é, portanto, fator do qual podem decorrer diversos efeitos colaterais positivos, e um meio eficaz de implementação desta prática pode se encontrar dando maior importância aos critérios ESG na avaliação de empresas.
Desde uma perspectiva pessoal, há anos venho pesquisando a relação da força de trabalho com o cumprimento dos Direitos Humanos sob a perspectiva do Capitalismo Humanista. Em minha Tese de Doutorado, inclusive, ressalto que o trabalho como formador e performador pode atuar como elemento catalisador da construção da dignidade humana, uma vez que tendo a valorização da força de trabalho como pedra angular para o comportamento das empresas, os efeitos advindos disso só poderiam contribuir para a sociedade e para o meio ambiente (Duarte, 2014, p. 147).
Portanto, sabendo que o formato atual da economia capitalista já se mostra instável e insustentável, acreditamos que uma maior valorização dos critérios ESG, conjugados aos princípios do capitalismo humanista, poderia impulsionar o cumprimento dos direitos humanos em suas três dimensões em escala mundial. Cabe ressaltar ainda que este método de avaliação mais holístico das empresas, englobando seus impactos ambientais, sociais e relacionados à governança não interessa somente aos consumidores e à sociedade de maneira geral, mas principalmente aos investidores.
Isto, pois as empresas que cumprem os critérios ESG tendem a apresentar riscos menores de sofrerem alguma espécie de desvalorização por fazerem parte de esquemas de corrupção, multas ambientais ou processos trabalhistas, de maneira geral. Dessa forma, elas também se apresentam como investimentos mais seguros, visando métodos produtivos sustentáveis a longo prazo, o que vemos ser necessário para o mantimento da vida humana em nosso planeta.
Estas mudanças não são só iminentes, como também necessárias, para que finalmente o mundo compreenda a força da fraternidade entre os povos, implementando o modo colaborativo em suas economias. Dessa forma, poderíamos nos aproximar de uma sociedade mais livre, igual e fraterna, em que a força de trabalho é realmente valorizada em sua completude.
Juliana Duarte
Doutora e Mestre em Direito pela PUC-SP
REFERÊNCIAS
Duarte, J. (2014). Teoria Jus-Humanista Multidimensional do Trabalho sob a perspectiva do Capitalismo Humanista. PUC-SP. disponível em https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/6574/1/Juliana%20Ferreira%20Antunes%20Duarte.pdf
Stiglitz, J. (2012). The Price of Inequality: How Today’s Divided Society Endangers Our Future. W. W. Norton & Company.