Tema consta no PL 766/2020, que prevê transferência da arrecadação para informais
A crise da saúde pública e econômica causada pela pandemia da covid-19 fez com que ressurgisse a discussão sobre a tributação de dividendos pagos por pessoas jurídicas a pessoas físicas. A proposta está no Projeto de Lei (PL) 766/2020, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP) O objetivo é usar o dinheiro arrecadado com a tributação a favor da população mais desprotegida aos efeitos da crise, ajudando principalmente os trabalhadores informais.
A votação no Senado Federal está prevista para a próxima quarta-feira (1/4). O PL também institui o Sistema Solidário de Proteção à Renda, que garante aos beneficiários do Bolsa Família um aumento de R$ 150, por pelo menos sete meses. Além disso, o texto também prevê a transferência de R$ 150, por pelo menos quatro meses, aos registrados no Cadastro Único e que não são beneficiários do Bolsa Família. Se aprovada pelo Senado a proposta, que tramita em regime de urgência, deve ser votada na Câmara.
A tributação de dividendos para pessoas físicas, na forma prevista pelo PL, preocupa tributaristas, já que o projeto não aborda assuntos como a redução da tributação sobre a renda. Alguns afirmam, inclusive, que o texto seria inconstitucional por não respeitar o princípio da anterioridade, que impede a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro do projeto de lei.
O texto do PL assevera que o Poder Executivo, por meio de decreto, e a Receita Federal serão responsáveis por estabelecer as normas e alíquotas para a tributação de dividendos. Segundo a justificativa do projeto de lei, são “centenas de bilhões todos os anos que não recolhem imposto de renda, em benefício da elite econômica do País. Como a revogação de isenção não exige anterioridade, essa medida poderá arrecadar bilhões de reais para transferir aos mais pobres já este ano”.
STF
Segundo a tributarista Ana Monguilod, professora do Insper, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem se posicionado, recentemente, no sentido que o princípio da anterioridade anual deve ser observada para a revogação de uma isenção fiscal. O princípio citado pelo advogada assevera pela vedação da cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro da lei publicada.
Em 2014, por exemplo, ao analisar o RE 564.225, o STF decidiu que princípio da anterioridade deve ser obedecido em um processo sobre a revogação de um benefício fiscal de ICMS. Em 2008, a extinção de desconto para o pagamento do IPVA sem a obediência do princípio da anterioridade também foi vedada pela Corte na ADI 4.016-2.
“Além disso, é extremamente questionável o fato de o PL delegar ao Executivo o poder de revogar a isenção e estabelecer as alíquotas. Ou seja, teríamos o Poder Executivo criando tributação pelo Imposto de Renda” afirma Monguilod.
Para ela, as consequências do PL, caso aprovado, seriam a “corrida pela distribuição de dividendos” por parte das empresas e uma maior descapitalização das companhias. “Só vai agravar um cenário que já é ruim”, conclui a tributarista.
Coronavírus
Segundo Marcos Lisboa, presidente do Insper, a eventual tributação de dividendos não poderia financiar o combate ao coronavírus porque a medida só poderia funcionar em 2021, pela regra da anualidade.
Para ele, a medida tem o potencial de piorar a economia do país. “O governo está dando dinheiro para a sociedade porque a ela vai quebrar. Agora, querem tirar dinheiro da sociedade? Dá com uma mão e tira com a outra? Dividendos pagam impostos no país. Se quiser tributar dividendos, tem que reduzir a tributação dos lucros”, afirma o economista.
Segundo Lisboa, a aprovação do PL pode gerar ainda mais desconfiança dos investidores para o cenário futuro brasileiro. “O investimento estrangeiro está indo embora do Brasil há muito tempo e batemos o recorde de estrangeiros saindo do Brasil antes da crise. A taxa de juros de longo prazo do país está subindo. Isso é sinal que as pessoas acham que vai piorar no futuro. E, desse jeito, vai piorar muito”, diz.
Disponível em: jota.info/tributos-e-empresas/tributario/covid-dividendos-tributacao-31032020